A disputa pelas renúncias tributárias se transformou num jogo de perdedores e ganhadores na virada do ano. Agora, os setores que tiveram benefícios retirados ou que ficaram de fora de medidas de alívio tributário nas últimas horas de 2021 já se articulam para reverter a situação em 2022, seja no Congresso ou na Justiça.
Enquanto o setor petroquímico e de refrigerantes perderam incentivos tributários, o governo zerou a alíquota do Imposto de Renda (IR) cobrado de empresas aéreas sobre o arrendamento de aeronaves para os anos de 2022 e 2023 e garantiu a prorrogação por cinco anos da isenção do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) na compra de automóveis novos por taxistas, motoristas de aplicativo e pessoas com deficiência.
O presidente Jair Bolsonaro também sancionou a lei que prorroga por mais dois anos a desoneração da folha de pagamentos para os 17 setores que mais empregam no País sem a necessidade de compensação com aumento de outros tributos.
A consequência foi que outros segmentos do setor de serviços, que também são grandes empregadores, não querem ficar de fora e se movimentam para buscar a desoneração ainda no primeiro semestre. O presidente da Central Brasileira do Setor de Serviços (Cebrasse), João Diniz, diz que trabalha para aprovar projetos que tramitam no Congresso. Um deles prevê o financiamento da desoneração com a receita do e-commerce.
O presidente da Confederação Nacional de Serviços, Luigi Nese, aposta que a medida terá apoio dos candidatos à Presidência em 2022. Ele defende e acha possível ainda a criação de um novo tributo nos moldes da CPMF para financiar a retirada da tributação da folha de salários.
A compensação da perda de arrecação era cobrada pelo Ministério da Economia, mas o presidente decidiu correr o risco jurídico alegando ter parecer favorável do Tribunal de Contas da União (TCU). O Ministério da Economia informou que a renúncia da desoneração em 2022 será de R$ 9 bilhões, mas desde o dia 1º se recusa a responder sobre a decisão do governo, repassando o pedido para o Palácio do Planalto.
Os bancos ficaram aliviados porque não terão mais que arcar com a compensação com a manutenção da alíquota mais alta da Contribuição Social Sobre Lucro Líquido (CSLL). A proposta estava na mesa do ministro da Economia, Paulo Guedes, junto com a prorrogação de alíquotas mais altas do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de crédito, medida que também prejudicaria as instituições financeiras. Os bancos se movimentaram para impedir a medida.
O suspense foi mantido até pouco antes da meia-noite do dia 31 e depois de várias edições extras do Diário Oficial da União. Escritórios de advocacia especializados na área tributária tiveram que ficar de plantão esperando a publicação oficial. Ficou valendo apenas a prorrogação do prazo de vigência do acréscimo de alíquota da Contribuição Social (Cofins-Importação) devida pelos importadores de bens e serviços do exterior que já estava prevista na lei que prorrogou a desoneração.
A vez agora é de a indústria de semicondutores aguardar a sanção do projeto de lei que prorroga até 2026 incentivos do Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (Padis), cuja vigência acaba em janeiro de 2022. O programa dá incentivos fiscais à indústria de dispositivos eletrônicos semicondutores, como displays de LCD e plasma, chips de memória, entre outros. O prazo termina no dia 7 e se discute ainda se há necessidade de compensação para cumprir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
No caso da isenção a leasing de aeronaves, o governo decidiu cortar benefícios tributários concedidos ao setor químico por meio do regime especial Reiq, que reduz alíquotas de PIS e Cofins incidentes sobre as matérias-primas químicas e petroquímicas.
A Associação Brasileira da Indústria Química (Abiquim) diz que a medida cria um ambiente de “insuportável insegurança jurídica e inconstitucional” porque uma lei já havia sido aprovada em 2021 garantindo a retirada gradual do benefício num período de quatro anos, até 2025. Se não reverter a extinção do benefício com o governo e o Congresso, a indústria química diz que vai judicializar com base em decisão anterior do Supremo Tribunal Federal (STF).
Mas a Abiquim não quer entrar em briga com outros setores. “Temos percebido que às vezes o governo lança essas matérias no ar e depois os diversos setores ficam batendo cabeça. A Abiquim é a favor de todas as desonerações que pudermos fazer de todos os setores”, disse o presidente da Abiquim, Ciro Marino.
Outra medida de fim de ano que surpreendeu foi um decreto que trata do IPI para fabricantes de xarope de refrigerantes na Zona Franca de Manaus. Segundo a Associação Brasileira da Indústria da Cerveja (CervBrasil), o decreto reduz o incentivo tributário aos fabricantes de concentrados ao diminuir o crédito que grandes fabricantes de refrigerantes podem acumular ao vender o xarope produzido em Manaus (AM) para engarrafadores instalados em outros Estados.
Segundo o presidente da entidade, Paulo Petroni, há dúvidas sobre o alcance da medida. Não está claro no texto se ela atinge os sabores “cola” usados no xarope para a fabricação de refrigerantes, como a Coca-Cola. “Para nós evoluiu, mas o problema maior não é a alíquota, é o ilícito (fraude) que as empresas cometem”, disse ele.
Procurada, a Associação Brasileira das Indústrias de Refrigerantes e de Bebidas não Alcoólicas (Abir), que representa os fabricantes de bebidas, não respondeu. Nos bastidores do governo há informações de que houve barbeiragem técnica no decreto, que poderá ser revisto.
Contrariando a avaliação técnica dos tributaristas da CervBrasil e da Frente Parlamentar que trata do assunto, a Receita diz que não houve alteração da alíquota de IPI incidente sobre insumos para produção de refrigerantes, mantendo as alíquotas vigentes em 31 de dezembro de 2021. Mas não atendeu o pedido de explicação da reportagem.